quinta-feira, 30 de abril de 2015

De que me serve viver se não te tiver para amar?

De que me serve viver se não te tiver para amar?
Ontem fui ao cinema. A sala vazia, o lugar no canto superior esquerdo que outrora ocupaste vazio, a minha mão vazia, a minha alma vazia. Sentei-me no lugar de sempre, com o espírito de sempre, tão vergastado, tão dolorido que tu nunca deste por isso. Fui invadida por uma nostalgia que ocupou todo o espaço envolvente. Era assim que me sentia quando podia empregar em nós a palavra amor, que a nossa felicidade transbordava para lá do limiar do que é ser feliz. Sou tão absurda, tão idiota por te desejar assim.
Vem, limpei a tua cadeira dos nossos preconceitos. Vamos amar o mundo, descobrir a que sabe a paixão, articular os nossos corpos por entre os lençóis já fartos de tantos amassos e beijos ardentes. Vamos, ambos os dois, para que o único erro que exista seja o da sintaxe.




quinta-feira, 16 de abril de 2015

Laivos de um possível capítulo...

Passava das oito da noite quando o pôr do sol findou. Felícia andara todo o dia absorta nos afazeres de casa. Curiosamente, cuidar de casa era das tarefas que mais gostava, no entanto não tinha outro remédio. Amália, de seu nome, e sua irmã de parentesco, cingia-se à tentativa de levar uma vida boémia e tratava de elevar o seu estatuto social a algo que lhe era impossível. Deste modo, para todos os efeitos Felícia acabava os seus dias sem pôr a vista na irmã e de quando em vez suspirava:
- Aquela vadia! A mãe haveria de se orgulhar muito dela!
Tinha um certo desamparo pela irmã e indubitavelmente se orgulhava de não se ter tornado como ela.
Dados os últimos retoques à cozinha, Felícia veio sentar-se na poltrona que se encontrava à entrada da sala de estar. O seu ar acabrunhado tingia um aspecto pálido na sua face e as mãos que acabou então por cruzar perscrutavam como que uma lembrança quase apagada. Subitamente ecoa um telintar que se estende pelo vazio, o telefone de casa tocava. Num gesto pachorrento, "a dona de casa" ergueu-se para ver de quem se tratava.
- Estou?
A voz que se ouvia do outro lado, de índole rouca e trémula, murmurava
- Sou eu menina.
- Que se passa? Que me queres?
Felícia não se encontrava com grande temperamento para conversas, o dia fora demasiado longo e a sua cabeça sufocava de tanta dor.
- Hoje de manhã quis fazer chegar-te uma carta. Pelo decorrer do dia apercebi-me de que essa carta não te tinha chegado, caso contrário terias entrado em contacto comigo.
- O que dizia essa tal carta?
- Vou ler-te o duplicado que trouxe comigo. Sim, tive o descernimento de fazer uma cópia para que possa recordar eternamente a mágoa e sofrimento que te vai consumir e degradar daqui por diante. Enfim, sempre fui uma criatura muito estranha, carrego uma mente repleta de interrogações e hoje, indesculpavelmente, vou transpô-las para ti.

Quando tiveres lido esta carta eu já estarei do outro lado do oceano. 
É uma fatalidade. irreparável e profundamente dolorosa.
Peço-te que, apesar de tudo, guardes os bons momentos que passámos e que todas as noites guardes um espacinho na tua cama e aí me recolhas e embales, bem junto do teu coração. 
Sei que o meu querer não é tudo mas hoje eu queria ter-te aqui comigo para sempre. Espero que compreendas.

Com amor,
o teu pequeno.