sábado, 21 de dezembro de 2019

Nosce te Ipsum. Em itálico.

Às oito e dezassete da matina do dia vinte e um de Dezembro, o Peso Da Idade toca à campainha. Traz consigo a boa nova.
Ora! Sete e sete são catorze, com mais sete vinte e um. Tenho sete nam... Alguém falou em bife de atum?
Aos vinte e dois meti a carroça à frente dos bois. Outra vez. Adiante... Mais 365 dias a respirar levam-me aos vinte e três, a conta que a Catarina fez. A vida levou-me mais um ano
- Toma lá e embrulha que hoje mereces.
Continuo a chorar entre desconhecidos quando e sempre que apelam ao meu inesgotável e fatal sentimentalismo (recebo uma caixa de kleenex todos os anos pelo natal).
Continuo a achar que esta passagem é uma colónia de férias e que habito num hotel 5* com vista para a A8. Não se pode ter tudo.
Continuo a perceber tanto de seres humanos como de lagares de azeite.
Continuo a conspurcar a dicção se digo coisas que ninguém entende, nem eu própria, quando bebo uns copos. Em cada lugar que assiste ao meu decrepitar está um "defício de comando".
Continuo a pensar com o coração, a escrever com o coração, a amar de coração.
Continuo a rodear-me de pessoas que despertam o melhor que há em mim.
Continuo disciplinadamente a treinar cinco vezes por semana metida, de quando em vez, no seio de escandalosos "plamordeus, tu não te cansas?".
Continuo a não me esquecer da cabeça por estar agarrada ao corpo. A propósito, se encontrarem um chapéu de chuva em algum autocarro da Rodoviária do Tejo, c'est à moi. Ou um par de luvas. Ou o meu juízo. Tragam-nos para casa que já são horas. Primeira forma: fiquem com o juízo já que principiou a ser escasso. Prefiro cultivar a loucura de quem vive noutro século.
Continuo a não jogar pelo seguro. Ainda que o seguro tenha morrido de velho, o que arde cura não é? Não obstante, não esqueçam que cautela e caldos de galinha nunca fizeram mal a ninguém. Expressões idiomáticas e frases tonais tornam isto eufemisticamente autêntico.
Volto a encontrar-me no "Cântico Negro" do exímio José Régio quando penso que sei que não sei para onde vou. Ainda assim, a pouco e pouco vou sabendo que caminhos trilhar.
Continuo a arrepender-me do que faço apenas e só quando alguma parte de mim não arde e se comove no momento.
Passei a deixar ir quem não quer ficar e aceitar que sempre existirá quem na vida nos surja como uma efemeridade. Sabemos que subimos um degrau quando encaramos as idas e voltas com leviandade e destreza psíquica.
Passei a não aceitar menos do que aquilo que mereço.
Passei a não fazer perguntas para as quais sei que não vou encontrar resposta.
Passei a dizer não.
A minha carteira insiste em não acompanhar o meu part time não remunerado de controladora de tráfego literário e isso continua a incomodar-me.
Continuo a parabenizar baixinho as minhas afinadas mãos de manteiga ao ouvir o som de pratos/copos/canecas/a bomboneira que deu a tia avó, prima do "como é que ele se chama?", estilhaçados no chão, pelo prazer de ouvir a minha mãe dizer
- Partes a loiça toda.
A dela parto, mas não pensem que não me sai do bolso.
Continuo a acordar a horas noturnas, do arco da velha, para deixar frases escritas que posso não conseguir vir a recordar no dia seguinte. Esta memória de ervilha...
Continuo a apaixonar-me todos os dias pela escrita do Zé. As palavras dançam nos olhos das pessoas conforme o palco de cada um.
Continuo a detestar a rotina e livros de iogurte e a levantar o dedo mindinho ao beber café.
Já estive mais longe de estar mais perto de... Olhem, coisa nenhuma. Nunca empacotaram o vazio? Sei lá, encher chouriços?
Mantêm-se unidos os três elementos potenciadores do meu equilíbrio e bem estar: a escrita, a música e o desporto. Este foi um ano em que me aproximei do conceito indissociável à palavra "relativizar", aplicável não só ao ato de abraçar e apertar de corpo e alma as oportunidades, pessoas e momentos que a vida me traz como também aos mesmos que ela me leva. Aliado aos dissabores que carrego comigo estão todas as "sopinhas de tretas" que, volta e meia, alguém se lembra de me dar. Digo-vos que aprendi a fazer um soberbo puré de cenoura, daqueles "upa upa que até choras". E porquê, perguntais vós? A minha infância responde-vos
- Porque faz bem aos olhos (a teoria de que a cenoura torna os olhos mais bonitos é uma bonita tanga. Não se iludam)
E eis que, eu, do alto dos meus fresquinhos vinte e três invernos concebo a imaculada máxima de
- É para ver se abres a pestana. (esta voz amiga que vos fala)
Incendiei todas as máscaras que empenhei até hoje. A partir de ser altura deixa-se de fazer batota com os outros e a lealdade para com a nossa integridade passa para primeiro plano. Não julguem que lá por habitarmos um manto da invisibilidade adaptável a qualquer campo emocional ou físico faz com os dias nos corram melhor, que os outros nos tratem melhor e vice versa, que esse conceito utópico de felicidade fique mais nítido, que a angústia a dor o desespero e o diabo a sete não nos passem a perna. Ficamos estatelados no chão e a vida
- Toma lá mais um estoiro.
Camuflamos os nossos medos e receios porque não suportamos o facto de não sermos aceites novamente, de falharmos novamente. E a angústia a dor o desespero.
Parto da permissa de que a imagem que concebemos de nós próprios advém daquela que é projetada pelos nossos semelhantes. Acreditem que nós somos aquilo que os outros procuram encontrar em nós. Mais cedo ou mais tarde cada um de nós percebe isso. Também nos cabe a nós avaliar se reunimos o teor/objeto da procura para que consigamos agir em conformidade com a caça ao tesouro. Às vezes é como encontrar uma agulha no palheiro, eu sei.
Se precisarem de alguma coisa, façam como 90% dos portugueses nesta quadra e comprem. Entretanto, a Catarina vai sair para a ginástica.
Permitam-me que vos deixe uma notinha de rodapé. Faz de conta que vai a negrito. É cliché, foi inaugurada pelo irrepreensível António Feio e eu volto a frisar: não deixem nada por dizer (a menos que não tenham nada para dizer.). O resto vocês sabem. Eu também só ando nisto há dois dias.
Confio que metade dos nossos problemas são resultado de ideias, sentimentos e opiniões que recalcamos no mais íntimo de nós. Os tais quiproquós que nos lançam à mesquinhice
- Agora desenrasca-te (desenmerda-te já consta no dicionário?)
A comunicação é o busílis da humanidade.
Eu cá vou continuar a não deixar nada por escrever. Vou continuar, com efeito, a procurar ter uma vida que nunca somente me pareça tolerável, a afirmar que há dias em que uma casa pode bem ser dois olhos e um coração a bater. Que, como dizia Pessoa, "o sonho comanda a vida".